terça-feira, 10 de janeiro de 2012

ESCRITA DE SINAIS I

Universidade Federal de Santa Catarina
Licenciatura e Bacharelado em Letras-Libras na Modalidade a Distância
Marianne Rossi Stumpf
Escrita de Sinais I
Florianópolis
2008
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Apresentação da professora
Sou a professora Marianne Rossi Stumpf, Graduada em Tecnologia em Informática, e
Pedagogia e Doutora em Informática na Educação.
No curso, que estamos iniciando, vou trabalhar com vocês as disciplinas de Educação de
Surdos e Novas Tecnologias, Escrita de Sinais I, Escrita de Sinais II e Escrita de Sinais III.
Atuei como professora de Informática na Educação de Surdos e professora de Escrita de
Língua de Sinais por diversos períodos em várias escolas de surdos e com grupos de
diferentes idades. Mas é a primeira vez que a escrita de língua de sinais faz parte do
currículo de um curso como disciplina obrigatória. Como também, é o primeiro curso de
nível superior para formação de professores de Libras.
Com a introdução dessa disciplina, a equipe responsável pelo curso, pretende aprofundar o
estudo da Libras possibilitando o exercício de atividades metacognitiva aplicadas ao estudo
da mesma.
Paralela a minha atividade de professora e depois aluna de doutorado, por conta de minha
participação na Federação Nacional de Integração e Educação dos Surdos - FENEIS, da
qual atualmente sou Diretora das Políticas Educacionais, trabalhei com diversos grupos de
surdos e ouvintes, em muitos lugares do Brasil e alguns da França.
Foram seminários, cursos e palestras sempre com o objetivo de divulgar e dar a conhecer
nossa língua de sinais, a Libras, em suas modalidades presencial e escrita.
Convidada pela Dra. Ronice M. Quadros, participo da equipe, nesse projeto que é crucial
para nós surdos, pois sua implementação inicia uma nova etapa na história de nossa língua
de sinais.
No curso, além de minha atuação como professora das disciplinas citadas acima, participo
também, do desenvolvimento dos materiais para o curso, como coordenadora de Designer
Instrucional.
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Disciplina de Escrita de Sinais I
Ao longo do estudo dessa disciplina vamos realizar várias atividades com o objetivo de
conhecer os fatores que a colocaram no currículo desse curso e logo iniciar o estudo do
sistema de escrita SignWriting adaptado a escrita da Libras.
A escrita de língua de sinais é muito pouco conhecida em todo o mundo, não é só no Brasil.
Mas não pensem por isso que ela não seja necessária a um professor da língua de sinais,
nem que vai ser um estudo difícil com pouca utilidade prática.
Espero, ao contrário, que ao concluir o estudo da disciplina tenham compreendido como ela
complementa o estudo da Libras, como ela poderá reforçar vossos conhecimentos da
mesma e como ela é crucial para nós os surdos. Também espero, que consigam construir
sua própria escrita dos sinais da Libras, utilizando para isso o sistema SignWriting de
escrita de língua de sinais.
Para atingirmos esses objetivos precisamos acompanhar o percurso de vários estudiosos
que fundamentaram nossa escolha e investigar a história dos surdos para compreender
como a educação e como o posicionamento da sociedade em diferentes momentos teve
influência fundamental na vida dos surdos.
Precisamos também compreender o que é a escrita de língua de sinais e como ela pode,
inserida no currículo dos estudantes surdos, levar esses estudantes a uma alfabetização e
letramento significativos que, dentro dos princípios do bilingüismo, ofereça o tratamento
adequado à Libras possibilitando sua configuração como a língua natural dos surdos
também dentro do trabalho escolar.
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1 - O registro da cultura surda
Do ponto de vista da cultura surda, o uso da língua oral de seu país, como única
opção de escrita significa não só que as relações pessoais entre surdos que são
contemporâneos uns dos outros, mas que estão distanciados uns dos outros no espaço, mas
também, que as manifestações dos surdos de outras épocas, precisam ser mediadas e
registradas em forma escrita numa língua que não é a própria, não é a língua de sinais com
a qual eles se expressam.
Para compreender a leitura é preciso haver uma complementação entre o conhecido,
que está na nossa cabeça, e o desconhecido, que está no papel; entre o que está atrás e o que
está diante dos olhos. Teatro, narrativas, literatura surda em geral, só podem ser escritos
após serem vertidos para uma língua falada, mesmo quando criados originalmente em
língua de sinais. Os surdos não podem construir sua própria escrita de acordo com sua
maneira de sinalizar. Sobre como os surdos manifestam sua cultura em sua língua de sinais
o presidente da Federação Mundial de surdos declarou:
As pessoas surdas também acham a língua de sinais, como
qualquer outra língua, uma maneira poderosa de expandir sua criatividade
e prazer artístico. Teatros nacionais de surdos em vários paises fizeram
programas de grande sucesso. Artistas surdos têm conseguido mostrar
linguagem de sinais em suas pinturas, ilustrações ou trabalhos esculturais.
Pessoas surdas de talento criam poesia e humor em língua de sinais.
(YERKER, Anderson, ex-presidente da FMS, 1981).
A escrita, o poder e a tecnologia são parceiros nas narrativas ocidentais da origem da
civilização. A Cultura Surda está minimamente registrada, porque as situações que os
surdos vivem, não conseguem escrever em sua própria língua.
No decurso da última década, apesar da contínua resistência dos defensores do
método oral, programas bilíngües/biculturais foram implementados nas escolas de vários
paises europeus e também no Brasil. Diferentes abordagens pedagógicas têm caracterizado
esses programas. Na Alemanha um projeto piloto contempla um bilingüismo contínuo
dentro da sala de aulas. Na Suécia a língua de sinais é a única língua de instrução e a língua
oral em sua forma escrita do país é vista em termos de segunda língua. Na França o
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programa “Deux langues pour une Educatión” (Duas línguas para uma educação) oferece à
criança surda uma área de suporte em língua de sinais de tempo integral. No Brasil o MEC,
a partir do reconhecimento da Libras como língua oficial dos surdos brasileiros, encaminha
sua inclusão na educação dos surdos.
Com esses enfoques, o desenvolvimento intelectual e cultural das comunidades
surdas tem evoluído e o caminho natural dessa evolução passa pela aquisição de uma
escrita própria que pode proporcionar o acesso a um novo patamar em suas expressões
culturais e comunicativas. Com a aprendizagem da escrita de língua de sinais, os surdos
vão ter a oportunidade de desenvolver uma nova cultura, que é a cultura surda escrita, um
pouco diferente da cultura surda sinalizada.
2 - Aspectos da História que influenciaram a Educação de Surdos
O MEC1 está patrocinando uma grande mudança na educação dos surdos no Brasil,
cujo projeto de implementação está previsto para se estender até o ano de 2010 e cujo
objetivo mais relevante é a inclusão da população surda nas escolas de ouvintes. Para
alcançar essa meta inicia a capacitação de professores ouvintes no uso da língua de sinais e
reconhece a figura do professor e do instrutor surdos.
As lideranças surdas, embora reconheçam o avanço que constitui validar a língua de
sinais, e o esforço feito pelos responsáveis pelo ensino especial para promover uma grande
mudança na educação dos surdos no Brasil, pontuam que as mudanças precisam ser
estruturais. O poder de decisão nas escolas e classes para surdos continua só com os
ouvintes e os surdos ainda são vistos, em muitas escolas, apenas como instrutores de língua
de sinais, ainda assim, substituíveis por professores ouvintes que muitas vezes, dominam
muito mal essa língua. A inclusão, conceito bonito e desejável, pode funcionar como
exclusão. Exclusão da plena comunicação e da real participação.
O concurso e apoio de educadores ouvintes são indispensáveis, mas esses devem
estar comprometidos com as mudanças necessárias, que estão alicerçadas em paradigmas
científicos comprovados e verdades já bem conhecidas, mas que, algumas vezes, continuam
longe da prática das escolas que recebem surdos.
1 MEC – Ministério da Educação e Cultura.
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Se há o que reconstruir, não é o surdo, mas sim, o projeto
educacional destinado a ele. E, nesse sentido, apenas os integrantes dessa
comunidade, como surdos, podem contribuir, de modo efetivo, para a
educação das crianças surdas. Ignorar sua competência, neste momento de
nossa história, passou a ser encobrir uma evidência. A adoção de uma
filosofia educacional, consistente, que dê conta de um projeto educacional
para surdos, não pode ignorar a interlocução constante. Não há apenas
surdos a ensinar, mas ouvintes e surdos a aprender como educar surdos.
Os últimos 100 anos de educação de surdos no Brasil, foram mais do que
suficientes para aprendermos como não educar surdos e, também, como
não formar educadores de surdos. (Fernandes, 2003. pg. 55).
O reconhecimento da língua de sinais dos surdos aconteceu a partir da metade dos
anos sessenta, com a publicação em 1965 da pesquisa do americano William Stokoe,
criador de um movimento para inseri-las nas escolas de surdos de onde tinham sido
expulsas, por iniciativa de um Congresso de educadores de surdos, o já bastante divulgado
entre nós, Congresso de Milão4.
William Stokoe - http://www.nsf.gov/news/mmg/media/images/stokoe_f.jpg
Á partir desse congresso (1880) difundiu-se que a educação de surdos precisava
estar centrada no ensino da fala, da leitura labial e no aproveitamento dos restos auditivos,
4 O oralismo passou a ser adotado oficialmente a partir do Congresso de Milão em 1880, quando foram
excluídas todas as possibilidades do uso das línguas de sinais na educação de surdos. A partir de então, ela
foi proibida nas escolas de surdos e em instituições que acolhiam surdos, inclusive nas suas próprias
organizações.
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por poucos que fossem. O poder negado às pessoas surdas e a seus líderes de gerir e
ministrar sua própria educação que foi tomado por uma ação arbitrária de lideranças dos
professores ouvintes no célebre e triste Congresso condenou os surdos a um retrocesso em
suas vidas que durou cem anos. A ação foi radical e abrangente expulsando todos os
professores surdos que, naquela época já eram em número significativo das escolas de
surdos. Esses não tiveram condições de resistir.
Passadas mais de quatro décadas dos movimentos surdos, respaldados pelos achados
científicos, como os de Stokoe, estarem mobilizados em favor do respeito à sua
especificidade cultural e lingüística, o processo mostra dificuldade de avançar e por em
prática aquilo que os surdos consideram seu direito: o de aprender e se expressar em sua
própria língua e desenvolver, já a partir da escola, sua própria cultura.
A criança não vive a partir de sua deficiência, mas a partir daquilo
que para ela resulta ser um equivalente funcional. Tudo isso seria certo se,
desde já o modelo clínico-terapêutico não se obstinasse tanto em lutar
contra a deficiência, o que implica, em geral, originar conseqüências
sociais ainda maiores. Reeducação ou compensação, essa é a questão.
Obstinar-se contra o déficit, esse é o erro. (Skliar, 1997, pg. 12).
A partir do final do século XIX o menosprezo às necessidades dos surdos e o
desrespeito às suas possibilidades foi se acentuando, pela educação equivocada, até que,
com o passar do tempo, eles chegavam a ser facilmente confundido com débeis mentais.
A ação foi muito grave, pois passaram quase cem anos antes que pesquisadores
ouvintes percebessem o descompasso da prática pedagógica nas escolas de surdos com as
descobertas das neurociências e da psicologia cognitiva e dessem publicidade a esse fato
para que as comunidades surdas tivessem o poder de começar a articular novas ações.
Os professores surdos representam para a criança surda um modelo adulto e é
importante que ela possa formar o conceito de que a pessoa surda pode ser um adulto
viável, pode liderar, pode agir com independência, pode exercer um papel relevante na
sociedade. As sutilezas do poder e as implicações do mesmo com as responsabilidades dele
derivadas, bem como a maioria das percepções importante para o jogo da vida, só podem
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ser percebidas e exercitadas entre iguais. Sem a possibilidade de construir sua identidade a
pessoa surda fica para sempre imatura e dependente.
Na educação de surdos, além do deslocamento cultural entre
professor e aluno, ainda se intensifica a distância por não se compartilhar
o mesmo código lingüístico, incluindo aquelas escolas que consideram a
língua de sinais, mas que, no entanto não a vivem de forma efetiva.
(Giordani, 2003. pg. 58)
A questão da dependência dos surdos mistura-se com a questão da deficiência. Essa
supõe uma dependência em maior ou menor grau. Podemos dizer também que ninguém é
totalmente independente, seja um Estado, seja uma pessoa. Quando lutamos pelo direito de
termos professores surdos estamos lutando por um grau maior de independência. O grau
que estamos aptos a exercer. Uma pessoa surda tem intelectual e fisicamente o mesmo
potencial de uma pessoa ouvinte. Se ela puder se comunicar na língua de sinais não vai ter
impedimento para desenvolver-se tanto como um ouvinte, então, a questão da dependência,
fica condicionada apenas às disponibilidades de poder usar sua língua para comunicar-se
com a maioria ouvinte, e também de poder apropriar-se dos conhecimentos de toda a
humanidade, da qual ela também é herdeira, em uma língua que ela possa compreender
plenamente.
Outro argumento que sustenta a resistência a uma mudança radical nas escolas que
recebem surdos é aquele de que os professores surdos não sabem bem o português. Alguns
professores surdos que sabem se expressar em português, falado e escrito, conseguem
trabalhar em escolas. A grande maioria não sabe bem o português e fica excluída de
qualquer possibilidade. O que podemos observar é que muitos desses surdos têm inúmeras
qualificações para serem professores. Para a criança surda será esse o fator mais
importante? Será que é mais importante para um aluno surdo que seu professor saiba bem o
português ou que consiga interagir com ele em uma língua comum aos dois, com ida e
volta?
Os educadores surdos pontuam que usar as duas línguas simultaneamente é um
procedimento desvantajoso para o surdo porque essa prática supõe professores ouvintes. O
que acontece quando o professor é ouvinte é que muitas vezes, até sem perceber, ele usa
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sua língua e faz junto alguns sinais, o que não se constitui em uso da Libras. O aluno surdo
não vai compreender, ou vai compreender apenas partes, porque o professor não está se
expressando em Libras, mas em uma língua que não existe, uma mistura das duas línguas.
Na escola de surdos, ou na classe de surdos incluída em uma escola regular, que
trabalhe uma efetiva educação bilíngüe, o aluno surdo pode construir sua auto-estima
dentro de um grupo de usuários da mesma língua, não se sentirá inferior e inadequado por
ser a cada momento confrontado com o colega que capta rapidamente todos os estímulos
sonoros, enquanto ele precisa se esforçar para mais adivinhar do que compreender.Terá
pleno acesso aos conteúdos e exercerá seu direito a uma educação de qualidade.
Na opção bilíngüe as duas línguas são utilizadas separadamente, a língua de sinais é a
língua natural do surdo, ela serve de suporte a todas as suas aprendizagens; a língua oral é
ensinada separadamente, em sua forma escrita como segunda língua, importante para a
inclusão do surdo em todas as esferas da vida de sua pátria.
A subordinação da língua de sinais à língua portuguesa, e a hegemonia dos
professores ouvintes nas escolas e classes de surdos, faz com que muitos surdos
desvalorizem sua própria língua e junto com ela a si próprios. Essa desvalorização já havia
se tornado evidente para o pesquisador Roch Ambroise Bébian que trabalhava no INJS1 de
Paris, antes do malfadado Congresso de Milão, onde a língua de sinais era usada pelos
alunos e, como hoje acontece muitas vezes, usada, mas pouco conhecida pelos professores
ouvintes.
Eu não me canso de advertir que eu não ouço falar aqui mais do
que da linguagem familiar dos surdos, que ninguém a aprende, que é a
expressão imediata e sem arte de seus pensamentos. É apenas sob esse
ponto de vista que os sinais são vistos; pois mesmo que eles sirvam para o
desenvolvimento do pensamento, nós, os professores, não vemos mais do
que as palavras que eles devem tornar inteligíveis. Nós não
consideramos, a língua de sinais, mais que em relação à língua francesa,
ao formato da qual nós queremos adaptá-la. Mas como essa linguagem
difere eminentemente de todas as outras línguas, nós fomos obrigados a
torturá-la para enquadrá-la exatamente dentro de nossos costumes, e ela
foi algumas vezes desfigurada ao ponto de se tornar ininteligível (Bébian,
1817)2.
1 INJS – Institut National de Jeunes Sourds de Paris
2 Tradução de Mariana Rossi Stumpf - Essai sur les sourds-muets, 1817.
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Roch Ambroise Bébian - http://www.ur.se/dova/pict/babian.jpg
Aqui no Brasil existem mais ou menos 120 associações de surdos, espaços onde foi
preservada e desenvolvida a língua de sinais e onde se constrói a cultura surda. Essas
comunidades surdas surgiram pelo motivo de que na época, as escolas de surdos proibiam
comunicar com a língua de sinais, então os surdos fundaram muitas associações para ter
possibilidade e liberdade de comunicação entre eles.
No final do texto aparece o nome de um educador de surdos francês que viveu no
início do século XIX. Ele é o autor da primeira tentativa de inventar um sistema para
escrever os sinais da qual temos registro na cultura ocidental.
Após o trabalho de Stokoe (1965) seguiram-se pesquisas que procuraram descrever
e analisar a língua de sinais e ficou evidente que o preconceito contra ela não tinha
fundamentos científicos, pois a compreensão das idéias não depende de ouvir palavras, mas
sim da construção de uma linguagem interna construída pelo sujeito em interação com seu
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meio, capaz de fixar e combinar idéias, como escrevem Karnopp e Quadros á partir de seus
estudos da Libras e das comunicações entre os surdos brasileiros
Todos esses estudos concluíram que o processo das crianças
surdas adquirindo língua de sinais ocorre em período análogo à aquisição
da linguagem em crianças adquirindo uma língua oral-auditiva. Assim
sendo, mais uma vez, os estudos de aquisição da linguagem indicam
universais lingüísticos. O fato do processo ser concretizado através de
línguas visuais-espaciais, garantindo que a faculdade da linguagem se
desenvolva em crianças surdas, exige uma mudança nas formas como
esse processo vem sendo tratado na educação de surdos. (Karnopp e
Quadros, 2001 pg.221).
Não é a surdez em si, a causa dos maiores problemas dos surdos e sim alguma das
conseqüências da surdez principalmente a dificuldade e distorção da vida comunicativa que
ocorrem nos casos de surdez congênita ou pré-verbal em que a criança, nascida em uma
família ouvinte, fica impedida de adquirir a linguagem. Capacidades lingüísticas e
intelectuais existem. Há obstrução no desenvolvimento dessas capacidades.
A decorrência lógica dos fatos apontados pelas proposições desses pesquisadores é a
de que os bebês surdos precisam ser expostos, logo que a surdez é detectada á língua de
sinais e a continuar com ela na escola, pois, para os surdos, ela é instrumento apropriado e
indispensável a suas aprendizagens de nível superior.
Dentro das associações de surdos a falta de reconhecimento de uma identidade surda
faz com que muitas vezes os surdos pensem que os ouvintes sabem mais as informações do
que os surdos e esse momento está mudando bem devagar. O sujeito se constrói pelos seus
contatos com o meio e vivendo situações diferenciadas de representação. As situações de
poder do próprio surdo ainda são poucas se comparadas às do mundo ouvinte. Nas
associações de surdos podemos observar as identidades surdas de formas diferenciadas e
aparecem as lideranças e as lutas pelo poder como em qualquer outra comunidade.
Nesse momento, os relatos dos surdos, demonstrados os fracassos de sua educação,
ocorre no Brasil à lei federal de oficialização da Língua Brasileira de Sinais – Libras. Os
educadores surdos propõem uma nova concepção para sua educação que aprofunda a
discussão para além dos métodos e práticas escolares, propondo a construção de uma
identidade surda, diferente da identidade ouvinte e incluindo em sua educação a escrita da
língua de sinais que pode se constituir num novo território para fortalecer as pessoas surdas.
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A escrita de língua de sinais como ferramenta de comunicação, por sua natureza, permite
construir um modelo teórico a partir do real e expressar a coerência desse modelo
inventando as relações entre os elementos e possibilitando elaborar um ponto de vista sobre
o mundo, passando do conjuntural expresso pela língua de sinais para o estruturado,
expresso pelo texto.
Entre os especialistas em educação de surdos é consenso que o uso da língua de
sinais como forma de comunicação dentro da sala de aulas é condição indispensável para
que a educação aconteça, pois, sem interação efetiva, aluno professor, professor aluno e
aluno com seus pares, o processo educativo não pode avançar. No entanto, o impacto que a
língua de sinais possa ter no letramento de crianças surdas ainda foi muito pouco explorado
por pesquisadores em educação e o fato de que, se a educação bilíngüe usa duas línguas,
aprender a escrever nas duas línguas seria uma conseqüência lógica para a criança surda,
apenas começa a ser pesquisado nas escolas e classes para surdos.
Assim como a escrita de língua de sinais não tem ainda reconhecimento formal na
educação dos surdos, também a língua de sinais tem muito pouco espaço nos currículos das
escolas e classes especiais. A escrita visual direta da língua de sinais SignWriting pode
levar ao bilingüismo pleno. Enquanto isso, pelas dificuldades de ensinar que apresenta e a
necessidade que representa como instrumento de inserção social, o português escrito poderá
contar com um referencial lingüístico consistente na L1 que possibilitará trabalhar a L2
com propriedade.
O reconhecimento formal do status lingüístico das línguas de sinais é muito recente.
A UNESCO somente em 1984 declarou: “A língua de sinais é um sistema lingüístico
legítimo e deveria merecer o mesmo status que os outros sistemas lingüísticos”.
Atualmente, 20% da população surda mundial têm algum nível de escolarização, e
apenas, 1% recebe essa escolarização na língua de sinais, por isso a Federação Mundial dos
Surdos - FMS (site de http://www.wfdeaf.org/) tem como prioridade o desenvolvimento de
atividades para as comunidades surdas mais excluídas.
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A Federação Mundial dos Surdos – FMS3 é uma organização não governamental em
nível internacional e representa aproximadamente 70 milhões de surdos em todo o mundo
que fazem parte das comunidades surdas de 123 paises. Sua principal função é a de
congregar as Associações, Federações e outras Organizações Nacionais de Surdos. No
Brasil a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos – FENEIS é sua
representante e conta, por sua vez, com cerca de 130 filiadas brasileiras entre escolas e
associações de surdos. O surdo politizado não se considera deficiente e sim membro de
uma comunidade cultural e lingüística. Por isso é muito importante, para ele, divulgar sua
língua, que é sua maior especificidade, sendo essa atualmente sua luta maior.
O objetivo das federações é servir desinteressadamente às pessoas surdas, tendo
caráter educacional, assistencial e sócio-cultural. Nossos esforços tem sido pelo
reconhecimento da Libras que agora já o é por lei, mas precisa ser difundida, respeitada e
estudada. A comunidade surda que sofreu um grande crime, quando teve sua língua
discriminada por séculos, merece o apoio dos pesquisadores e lingüistas para resgatar seu
papel.
Paradoxalmente, para os surdos, no presente processo, a informação e a comunicação
têm sido suas principais ferramentas. A forte coesão existente entre essa população, fruto
do isolamento construído pela dificuldade de comunicação com o mundo ouvinte, forma
um laço moral apertado e empurra suas lideranças a não admitir disfarces e a lutar pela sua
autodeterminação.
Na Conferência Mundial de Educação para todos, realizado em 1994 na Espanha, o
documento resultante, denominado “Declaração de Salamanca” preconiza a necessidade da
educação dos surdos ser realizada a partir de sua língua de sinais, essa necessidade tem sido
muito pouco respeitada, pois, educar não tem a ver apenas com o que é melhor para o
educando, educar tem também muito a ver com quais papéis a ideologia dominante atribui
aos diversos atores que compõe a cena educativa.
Os professores ouvintes da nova escola de surdos centrada na língua de sinais
precisam saber usa-la de forma plena, não podem mais simplificar explicações, facilitar
textos e articular claramente em português ajudando com alguns sinais a exposição dos
conteúdos, como se fazia na escola oralista ou na de comunicação total. Agora, devem
3 World Federation of the Deaf - WFD
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interagir com o aluno em uma língua que precisa ser plenamente dominada por ambos,
professor e aluno, que devem ter a mesma possibilidade de comunicar-se.
A competência em língua de sinais por parte dos professores ouvintes poucas vezes
chega a ser a necessária. Ela é uma língua completa, não uma pantomima. Tem sua
gramática e é de caráter viso-espacial a qual os ouvintes não estão habituados. Tornar-se
fluente, como um professor precisa ser, é uma tarefa séria que demanda tempo e dedicação.
Novas percepções acompanham a necessidade do esforço por essa nova aquisição e um
sentimento de inadequação se instala entre os professores, as resistências embora veladas,
ou disfarçadas de mil maneiras, fazem-se muito presentes.
A questão é complexa e as lideranças surdas que estão politizadas e tomam a frente
do processo buscam novas práticas que precisam ser apoiadas pelas instituições que pensam
a educação com soluções novas e criativas que levem em conta, não apenas os aspectos
formais, mas também as relações subjacentes de poder ainda que veladas, inconscientes ou
travestidas de boas intenções.
As aparências sempre estiveram contra os surdos em relação às suas reais
capacidades, por sua dificuldade de falar e de compreender aquilo que o ouvinte diz, a
tendência natural desses, é menosprezar a mensagem da pessoa surda, pela forma como ela
aparece. Com a língua de sinais os surdos podem, através do intérprete, compreender e ser
compreendidos, e os ouvintes são colocados no mesmo nível, precisam também do
intérprete ou de aprender uma língua que não é a sua língua natural.
O surdo que participa da comunidade surda, quando encontra o grupo de surdos fica
muitas horas na festa, ou no encontro de rua, ou em qualquer lugar, para dar-se bem
comunicando com a língua de sinais. As pessoas surdas que vivem na casa com a família
ouvinte se comunicam muito pouco durante a semana. A cultura da família é um ambiente
hegemônico ouvinte.
A coesão das comunidades surdas, embora suas profundas diferenças individuais, tem
sua explicação na possibilidade da comunicação natural. Em muitas épocas, tachadas de
guetos, sempre observadas com distanciamento e estranheza pela sociedade, devem sua
sobrevivência a esse fator fundamental de ali poder encontrar uma língua comum.
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O líder surdo sempre trabalha com o intérprete ou parente da família que lhe serve
de intérprete, mas em muitos lugares a visão continua a ser a do colonizado, que muitos
surdos aceitam. Muitos líderes surdos têm muitas coisas importantes para dizer mas ficam
prejudicados por um entendimento diferente do intérprete. Por isso nos encontros, quando
são só surdos, utiliza-se a língua de sinais para não haver dificuldades de interpretação.
Acontece de surdos não entenderem algumas mensagens, por estar em outro nível de
evolução política, ou mesmo ter pouco conhecimento da língua de sinais, mas esta é uma
construção que a comunidade surda precisa fazer por si própria.
3 - A escrita: um sistema de representação gráfica
A escrita é um código de comunicação secundário em relação à linguagem
articulada oralmente ou sinalizada. Dizemos que ela é um sistema de representação porque
os signos gráficos servem para anotar uma mensagem oral ou sinalizada a fim de poder
conservá-la ou transmiti-la. Eles representam graficamente a mensagem.
A evolução da escrita, que está intimamente ligada ao processo civilizatório, não foi
linear, houve mistura de muitos sistemas e variantes ao longo do tempo. A evolução da
escrita, usada no mundo ocidental, corresponde a um aumento da geratividade, com a
redução progressiva do número de unidades mínimas que se tem de aprender para poder
escrever. Ela evoluiu, no sistema alfabético, de milhares de ideogramas, a centenas de
sílabas para apenas cerca de quarenta relações grafema-fonema.
Os primeiros registros escritos são os pictogramas – desenhos que representavam
analogicamente objetos e eventos.
Seguiram-se os ideogramas ou logogramas – representações padronizadas que
facilitavam o reconhecimento por um maior número de pessoas.
Surge então a idéia de incorporar aos registros escritos elementos das línguas
faladas para tornar o significado mais claro e unívoco, pois acontecia à polissemia, isto é:
multiplicidade de significados possíveis de se atribuir às figuras. O rebus, que então surgiu,
foi uma figura para evocar não os significados visualmente aparentes, mas sim aqueles
formados pelo encadeamento dos sons da palavra. Ao tornar os sons visíveis, o rebus
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passou a permitir representar conceitos abstratos com muito maior clareza. Os rebus já
eram usados, junto aos hieróglifos e misturados a ideogramas para acrescentar pistas. Por
exemplo, um rebus de um ramo cujo som era (re) colocado junto à figura que representava
pagar para significar – (reembolsar).
Os silabários, que foram à etapa seguinte, ainda tinham uma baixa geratividade. Por
exemplo, o sistema cuneiforme da Mesopotâmia continha quase 600 sinais, o que
dificultava muito sua aprendizagem.
A invenção do sistema de escrita alfabético foi devida à percepção de que a escrita
pode ser organizada mais eficientemente representando cada som da língua por um sinal
específico. Esse tipo de organização reduz muitos os sinais necessários, pois em uma língua
os sons em geral somam menos de quarenta. A introdução das vogais surgiu apenas no
primeiro milênio antes de Cristo na Grécia.
A escrita alfabética é um sistema funcional complexo que tem sua origem na análise
dos sons da linguagem, da separação de certos sons do fluxo da linguagem e de sua
transformação em fonemas constantes e generalizados. Esse primeiro passo que implica a
função integrada do sistema áudio-articulatório cria a potencialidade para a escrita. O passo
seguinte é a identificação desses sons, nos diversos contextos sonoros em que aparecem, e a
análise de sua dependência das posições que ocupam nas diferentes palavras. Apenas
quando correm essas condições torna-se possível traduzir os fonemas em grafemas (sinais
escritos) que podem ser representados mediante ações motoras e desenvolver o sistema de
movimentos uniformemente conexos, característicos da escrita, quando convertida em uma
atividade automática.
É necessário pontuar que em todo o desenrolar desse complexo funcionamento
participam as conexões preliminares que se estabelecem em relação com a linguagem
interna e que, por meio de um feedback contínuo jogam o papel de alimentador e regulador
do processo. A escrita tem a intenção de poder ser lida por alguém por isso a escrita tem
sempre uma motivação.
A escrita alfabética é um sistema gerativo que possibilita ler qualquer palavra nova.
Ela permite a auto-aprendizagem pelo leitor. O processo aos poucos contribui para criar
uma representação ortográfica (correta grafia) de cada palavra, que será então lida pela rota
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lexical, o que acontece com as palavras já bem conhecidas e que aparecem com freqüência.
(exemplo coca-cola).
A configuração atual de uma língua está na relação entre os seus elementos e não no
valor intrínseco deles. Os elementos individuais adquirem sentido, conforme se
posicionam, dentro da configuração particular que constitui uma determinada língua.
Quanto ao significado dos elementos, ele é arbitrário, atribuído pela comunidade
falante, ou sinalizante, que vai incorporando novos vocabulários, ou no caso das línguas de
sinais novos sinalários4, em uma construção que é social.
Em relação aos processos de aquisição de duas línguas orais, as pesquisas apontam
para o fato de que essas aquisições são criticamente determinadas por processos de
integração e diferenciação dentro de um mesmo sistema lingüístico e também através de
diferentes sistemas lingüísticos. A observação desse pressuposto aponta para a necessidade
de que a criança surda tenha a oportunidade de realizar esses processos comparando,
integrando e diferenciando sua língua natural, aquela que ela consegue adquirir
perfeitamente, a língua de sinais, com a língua de seu país em sua forma escrita, para poder
adquirir essas duas línguas, a fim de conseguir um bom desenvolvimento de sua linguagem
e uma inserção positiva no mundo.
A realização dessas operações de diferenciação e integração, entre a língua de sinais
e a língua oral do país, demanda que aquela não seja tratada apenas como facilitadora da
comunicação, mas sim como objeto de estudo visto que comprovadamente é dotada de
todos os atributos lingüísticos encontrados nas outras línguas.
O conhecimento do conceito metalingüístico supõe que para refletir sobre a
linguagem é necessário poder colocar-se fora dela, poder observá-la, e isso está
intimamente relacionado com a possibilidade de ler e escrever. A razão pela qual ler e
escrever é um instrumento de reflexão metalingüística é a de que para poder realizar essa
tarefa é necessário avaliar os significados precisos dos termos e das relações gramaticais
entre eles para poder compreender ou escrever textos. A realização das operações
metalingüísticas se processam naturalmente durante o trabalho escolar de escrita das
4 Sinalário: conjunto de expressões que compõe o léxico de uma determinada língua de sinais
18
línguas mesmo que não aconteça a aprendizagem formal dos termos gramaticais
correspondentes.
19
3.1 - A Escrita de Língua de Sinais
A escrita real, que responde a uma situação, a uma motivação, supõe compreensão
do modo de sua construção. Na escrita real a criança precisa criar os elementos e as
relações entre eles que não podem ser pré-estabelecidos.
“Pensar sobre a surdez requer penetrar “no mundo dos surdos” e “ouvir”
as mãos que, com alguns movimentos, nos dizem o que fazer para tornar
possível o contato entre os mundos envolvidos, requer conhecer a “língua
de sinais”. Permita-se “ouvir” essas mãos, pois somente assim será
possível mostrar aos surdos como eles podem “ouvir” o silêncio da
palavra escrita”. (Quadros, 1997, pg. 119).
A construção da escrita passa pela experimentação de hipóteses. Na teoria de Piaget,
“o conhecimento objetivo aparece como uma aquisição, e não como um dado inicial”.
(Piaget, apud Ferreiro, Teberosky, 1988, pg.33). A criança quando aprende a escrever
constrói suas estruturas cognitivas e simultaneamente reconstrói o sistema da escrita. Para
que a criança se aproprie da escrita como um sistema de representação, ela precisa
diferenciar os elementos e as relações próprias ao sistema e também, compreender a
natureza do vínculo entre o objeto do conhecimento e sua representação.
Ao dar aulas para crianças surdas pude observar que muitos alunos pensavam que o
português escrito era a escrita da língua de sinais usada por eles. Existe muita confusão,
entre as duas línguas que, entre outros fatores, limita os resultados também das
aprendizagens de leitura e escrita em português.
“Um leitor que não é falante assume estratégias perante a língua
diferente do que faz um falante. Cria de certo modo uma “língua nova”,
em grande parte baseada nas regras de sua própria língua, misturando
regras que ele inventa como estratégia pessoal ou que pensa que
descobriu na língua estrangeira. Tudo isso vai formando o conhecimento
que ele tem dessa língua.” (Cagliari, 2002. pg. 154)
Sabemos que é preciso considerar os conhecimentos anteriores do educando para
que ele possa criar novos significados, relacionando o novo com o já existente na sua
20
estrutura cognitiva, esse processo é inerente à própria compreensão do “contexto” e
constitui o fundamento da aprendizagem significativa. As crianças surdas que se
comunicam por sinais precisam poder representar pela escrita a fala delas que é visoespacial.
Quando as crianças conseguem aprender uma escrita que é representação de sua
língua natural têm oportunidade de melhorar todo o seu desenvolvimento cognitivo.
Em minhas aulas experimentais observei que depois que as crianças aprendem os
símbolos da escrita da língua de sinais, aparecem muitas idéias e variações na sua escrita,
pois cada um está à vontade para expressar seu pensamento, sem a insegurança de tentar
encontrar a palavra da língua oral, que procura e não encontra, quando encontra não sabe
bem se era aquela a palavra certa.
Com a imensa maioria dos surdos, quando escrevem em uma língua oral, acontece
o mesmo que acontece com um ouvinte que não sabe o suficiente de uma língua estrangeira
na qual precisa se expressar; ele vai simplificando o máximo possível para conseguir passar
a mensagem e muitas vezes usa palavras que não significam aquilo que pensa e produz
textos que, por não ter conseguido se apropriar da estrutura da língua, perdem o
significado.
Mesmo que a criança surda, quando lê uma língua oral, consiga converter as letras
na soletração digital correspondente ela não vai obter o sinal lexical que ela está
acostumada a usar no dia a dia em sua língua de sinais, e essa é uma crucial diferença em
relação à criança ouvinte.
Já nos primeiros estágios do desenvolvimento da linguagem é possível distinguir
dois aspectos da fala que, posteriormente, constituirão a base psicológica de todos os
processos verbais: o aspecto nominativo, que se reduz à designação de um objeto ou
conceito definido, e o aspecto predicativo, que consiste no fato de que uma palavra ou frase
designativa dada, comunique alguma idéia, se refira a alguma atividade concreta e tenha o
significado correspondente que originalmente não era expresso e só podia ser obtido por
referência ao contexto prático, à situação em que se pronunciava a palavra. O aspecto
predicativo da linguagem está intimamente relacionado com os motivos básicos que
dirigem a atividade do indivíduo. Está ligado com suas intenções, com seu pensamento. A
21
oração é a manifestação do pensamento ela é a característica fundamental da linguagem
ativa.
A principal dificuldade dos surdos, quando escrevem uma língua oral não é o léxico
e sim a sintaxe. Como é pela sintaxe que a língua se define, pois a função geradora está
contida no campo sintático, a dificuldade em adquirir a sintaxe da língua falada é o que
acontece de mais grave na escrita do surdo, o que faz com que seus textos sejam muitas
vezes incompreensíveis.
A relação do surdo com a língua de sinais é a mesma do ouvinte com a língua
materna, ele não tem consciência das estruturas gramaticais de sua língua, mas as usa
corretamente e adquire fluência sem esforço. Para aprender uma língua estrangeira o
aprendiz ouvinte só alcança o resultado positivo depois de um estudo árduo e demorado. Já
o surdo acresce à dificuldade natural de aprender uma língua estrangeira, o fato de não ter o
mapeamento oferecido pela fala e o fato, ainda mais relevante, de não possuir, em grande
parte das vezes, uma língua de sinais consistente.
A criança transfere para sua nova língua o sistema de significados que já possui na
sua própria língua e quando ela aprende a ver sua língua como um sistema específico entre
muitos, passa a conceber seus fenômenos dentro de categorias mais gerais e isso leva à
consciência das operações lingüísticas.
Os seres humanos precisam de comida para sobreviver, assim como precisam da
linguagem para se comunicar uns com os outros. Num determinado momento da história
essa forma de comunicação passa a ser objeto de reflexão e estudo. É o que aconteceu com
as línguas orais que têm uma forma escrita.
Há muitas línguas orais que não possuem uma escrita. Seus usuários talvez não
sentiram necessidade dessa representação, ou não conseguiram um sistema que
representasse adequadamente suas línguas. As comunidades surdas, não são comunidades
isoladas com uma cultura de língua ágrafa, mas participam da vida urbana e do mundo
contemporâneo que é cada vez mais dependente da escrita. As comunidades surdas urbanas
precisam de um nível adequado de leitura e escrita compatível com a sociedade em que
vivem.
22
A escrita preenche funções específicas: comunicação à distância, fixar traços do
passado, agendar atividades, anotar rapidamente dispondo de apenas lápis e papel, etc.
Descobrir essas funções pressupõe usar uma escrita com significado. A escrita exige um
trabalho consciente e consiste numa tradução a partir da fala interior. A fala interior é uma
fala condensada e abreviada. A escrita é detalhada e exige uma ação analítica deliberada
capaz de construir uma estruturação intencional da teia do significado.
Existe um período ótimo do desenvolvimento em que o organismo é particularmente
sensível a certos tipos de influência. Os anos escolares são, no todo, o período ótimo para o
aprendizado de operações que exigem consciência e controle deliberado; o aprendizado
dessas operações favorece enormemente o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores enquanto ainda estão em fase de amadurecimento.
Nas atividades escolares a leitura e a escrita de língua de sinais vai permitir um trabalho
muito mais consistente com a língua de sinais que precisa ser completa e bem construída,
para possibilitar ao surdo o acesso a todo conhecimento.
Quando nos comunicamos passamos não apenas uma mensagem, mas a nossa maneira
de ver, sentir e ler o mundo. A pessoa bicultural se define como aquela que participa da
vida de duas culturas, que se adapta a uma e a outra.
A criança surda deve ser preparada a vir a ser uma pessoa bicultural, quer dizer membro
das culturas surda e ouvinte, mesmo que ela tenha a dominância de uma cultura em relação
à outra. Nós defendemos o direito da criança surda a ser bicultural e bilíngüe.
A utilização da língua de sinais por um surdo supõe um relacionamento específico dele
com seu mundo, uma outra maneira de ser e então outra maneira de entrar na língua escrita.
É preciso contrapor o paradigma da diferença ao da deficiência.
Os surdos em busca de sua escrita
As comunidades surdas tiveram seu processo de busca e criação de uma escrita
interrompida por mais de cem anos da exclusão de suas línguas que, de tão desqualificadas,
nem eram cogitadas para objeto de pesquisas sérias.
23
Quarenta anos após as primeiras propostas de reabilitação das línguas de sinais, nós
pensamos, que uma escrita da língua de sinais, pode ampliar as possibilidades de estudos
aplicados às línguas de sinais e o acesso á cultura escrita da população surda e criar nas
escolas e classes de surdos um espaço condizente com sua importância para a língua de
sinais. Nesse contexto, a incorporação da aprendizagem de uma escrita da língua de sinais
ao currículo da educação dos surdos, pode fazer a diferença, entre propostas apenas
superficiais e mudanças estruturais realmente eficazes para sua educação.
“Uma conseqüência direta do bilingüismo pleno e instruído pelas
pesquisas em Neuropsicológica Cognitiva é a proposta de uma solução
teoricamente informada para os problemas de leitura e escrita dos surdos.
Desse ponto de vista, a solução proposta para resolver as dificuldades de
leitura da coletividade dos cidadãos Surdos, tornando-os capazes de ler
habilmente qualquer texto, consiste em fazer com que a decodificação
desse texto produza diretamente os sinais lexicais da língua materna com
que eles pensam e se comunicam,...do mesmo modo, a solução
fundamental para resolver as dificuldades de escrita da coletividade dos
Surdos, permitindo que eles sejam capazes de escrever habilmente
qualquer idéia, consiste em fazer com que os sinais lexicais da língua
materna, com que eles pensam e se comunicam sejam conversíveis
diretamente em texto....”. Mas isto tudo só é possível pela substituição do
código alfabético que mapeia diretamente a fala, por um outro código que
mapeie diretamente o sinal”. (Capovilla, 2001, Dicionário vol.II pg.1507).
No século XIX, Bébian (1817) escreveu que, em seus numerosos trabalhos havia
traçado um caminho para a educação dos surdos e que, outro, mais hábil, ou mais bem
assessorado, encontraria o fim desse caminho. Sua posição era equilibrada, realista e
moderna. Ele não pode ser reduzido apenas a um defensor dos sinais, era sim, partidário de
uma educação que começando pelos sinais, pois dizia, essa é a única maneira de
comunicação com uma criança surda, chegaria à maioridade com o surdo possuidor de duas
línguas: a língua de sinais, inclusive escrita, e a língua de seu país, esta somente na sua
forma escrita. Bébian predisse, mas foi necessário chegarmos aos anos 60 para que os
trabalhos do americano William Stokoe retomassem o caminho esboçado por ele.
Sistemas de Notações Escritas de Línguas de Sinais
24
Há vários tipos de notação para as línguas de sinais dos surdos. Algumas dessas
notações comportam muitas centenas de símbolos cuja reprodução é muito volumosa.
Descrevo resumidamente algumas das mais relevantes:
A notação de Stokoe
Stokoe (1919 – 2000) e a sua equipe de lingüistas da Universidade Gallaudet, a
quem devemos o estabelecimento do caráter lingüístico das línguas de sinais, também
criaram uma notação que parte de cinco elementos:
· O lugar, onde nos encontramos, 12 posições.
· As configurações de mãos, que são dez.
· Os movimentos indicando ação, com 22 símbolos.
· A orientação, quatro indicações.
· Os sinais diacríticos com duas possibilidades.
O sistema criado por Stokoe não tinha o objetivo de servir para o uso comum dos
surdos, mas sim de atender à uma necessidade particular dele, que era estudar as línguas de
sinais, nesse aspecto seus estudos são referenciais para alguns pesquisadores das línguas de
sinais.
25
Configurações das mãos conforme Stokoe
O site da notação de Stokoe contem informações e exemplos de signos escritos.
http://www.signwriting.org/forums/linguistics/ling006.html
26
Notação de François Neve
A notação de François Xavier Neve, pesquisador na Universidade de Liége, (1996)
deriva daquela de Stokoe, mas é mais completa.
Ela utiliza códigos que tornam possível uma numeração e um tratamento
informático dos signos. A escritura é feita em colunas verticalmente de cima para baixo, em
uma só coluna quando a mão dominante sinaliza. Em duas colunas quando se utilizam as
duas mãos. Os signos são anotados na seguinte ordem:
Configuração << CO>>
Localização <<LO>>
Orientação <<ORI>>
Ação <<ACT>>
27
O Hamnosys - 1989
Inventado na Universidade de Hamburgo, Alemanha, por Prillwitz, Vollhaber e seus
colaboradores. Esse sistema foi objeto de diversas versões para a informática. Distingue
principalmente:
As configurações de mãos
As orientações de dedos e da palma
As localizações sobre a cabeça e o tronco
Os tipos de movimentos
A pontuação
AS MODALIDADES DE MOVIMENTOS FORMAS BÁSICAS – HAMNOSYS
O site de HamNoSys contém as informações e os exemplos bem como os signos
escritos dos sinais.
http://www.sign-lang.unihamburg.
de/Projekte/HamNoSys/HamNoSysErklaerungen/englisch/Contents.html
28
O Sistema D` Sign de Paul Jouison - 1990
É um sistema muito elaborado. Infelizmente seu criador morreu antes de poder
explicar completamente seu método. Segundo a Dra. Brigitte Garcia (2000), que recuperou
suas notas e escreveu uma tese sobre a pesquisa lingüística da Língua de Sinais Francesa -
LSF incluindo o estudo do trabalho de Jouison, a representação escrita proposta por ele não
é uma simples notação isolada, mas visa a ser uma autêntica escrita. O autor dá exemplos
de frases sinalizadas inteiramente transcritas em D`Sign. Sua ambição foi, a de trabalhar
sobre longas seqüências de discursos sinalizados espontaneamente em filme, de descobrir
as unidades constitutivas da LSF, que, segundo ele, não são nem os signos convencionais,
nem os parâmetros de Stokoe que se limita a uma descrição de sua forma visual.
Suas unidades-símbolos se organizam em famílias:
A escolha dos dedos A escolha dos braços
As imagens Os eixos de rotação
Os deslocamentos As zonas do corpo e do espaço
Fragmento do D’ Sign
29
Abaixo, um trecho traduzido, do trabalho onde a Dra. Brigitte Garcia, pesquisadora
e lingüista da Universidade Paris 8, fala sobre o sistema de escrita de sinais do estudioso
francês Paul Jouison:
Aprofundando a idéia de W.C. Stokoe segundo a qual as línguas dos surdos possuem, como
as línguas orais, vários níveis de articulação, Jouison está entre os primeiros a trabalhar
sobre vídeos de discursos gestuais em LSF. A análise, imagem por imagem, desses vídeos
mostra que a LSF não implica apenas as mãos (cujos movimentos fascinam todos os não
surdos) mas sim o corpo inteiro. É sobre essa base que Jouison concebeu o D`SIGN,
sistema de transcrição gráfica da LSF do qual a difícil elaboração esclarece de uma forma
nova o funcionamento das línguas orais em seus relacionamentos com a escrita.
No site pode encontrar e até encomendar o livro.
http://www.surdite.net/bibliographie/ouvrages/42.html
Autor : Paul JOUISON
Editora : L'harmattan
Coleção : Sémantiques
Tipe : Essais
Genre : Langage
ISBN : 2738435351
30
O Sistema SignWriting - 1974
O sistema de escrita para línguas de sinais denominado SignWriting foi inventado
há cerca de 30 anos por Valerie Sutton, que dirige o Deaf Action Commitee (DAC), uma
organização sem fins lucrativos sediada em La Jolla, Califórnia, USA. Sua origem está em
um sistema que a autora criou para notar os movimentos da dança.
Conforme as publicações do DAC o sistema pode representar línguas de sinais de
um modo gráfico esquemático que funciona como um sistema de escrita alfabético, em que
as unidades gráficas fundamentais representam unidades gestuais fundamentais, suas
propriedades e relações. O SignWriting pode registrar qualquer língua de sinais do mundo
sem passar pela tradução da língua falada. Cada língua de sinais vai adaptá-lo a sua própria
ortografia. Para escrever em SignWriting é preciso saber uma língua de sinais.
31
História do SignWriting
O trabalho de adaptação do SignWriting à Libras foi a primeira etapa de uma
caminhada que a comunidade surda brasileira, com o apoio de pesquisadores: lingüistas e
da informática, deverá empreender para conseguir uma escrita que dê conta de todas as suas
necessidades em sua própria língua.
O site americano do SignWriting começou em 1996. Nós, os pesquisadores da
PUCRS, fomos o primeiro grupo a entrar em contato com Sutton por causa do site. No
início, o site era apenas para explicar o SignWriting e para fazer download do SignWriter.
O site demonstra que nosso grupo começou a divulgar sobre a experiência que inicia
ao\contatar com a Equipe do DAC. O texto é em inglês.
http://signwriting.org/brazil/brazil07.html
Outro site interessante onde a profa. Ronice Müller de Quadros escreveu sobre o
que é, e sobre a importância do sistema SignWriting. O texto é em português.
http://signwriting.org/library/history/hist010.html
Em 1998 Sutton criou a lista de discussão do SignWriting e isso ajudou a divulgar o
SignWriting, porque ela usa a lista para explicar como usar o SignWriting.
Em 2002, ela criou o Signbank, que é um software para construção de dicionários.
Em 2003, começou o SignPuddle, que é um sistema para criar dicionários on-line.
Hoje existem quase 30 dicionários sendo feitos no SignPuddle. Existe também o
dicionário da Bélgica, que foi feito separado do SignPuddle.
Desde 1998 começaram ser feitos muitos softwares para SignWriting: o SW-Edit, o
SignWriter Java, e outros. Há também os sistemas para criar animações de sinais (usando
desenhos em 3D - três dimensões).
Na próxima disciplina de Educação de Surdos e Novas Tecnologias vamos estudar
os vários de softwares de SignWriting.
32
Bibliografia:
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. São Paulo. Editora Scipione, 2002.
CAPOVILLA, Fernando César, Walkiria Duarte Raphael. Dicionário Enciclopédico
Ilustrado Trinlíngüe da Língua de Sinais Brasileira, Volume II: sinais de M a Z. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.
KARNOPP, Lodenir; QUADROS, Ronice Müller de. Educação infantil para surdos. In:
ROMAN, Eurilda Dias, STEYER, Vivian Edite (Org.) A criança de 0 a 6 anos e a
educação infantil: um retrato multifacetado. Canoas. 2001.
FERNANDES, Eulália. Linguagem e surdez. Porto Alegre. Editora Artmed, 2003
GARCIA, Brigitte. Ecrits sur la langue des signes française. Editora L´Harmattan, Paris,
1995.
_______________. Contribution à l´histoire dês débuts de la recherche linguistique sur la
Langue des Signes Française. Les travaux de Paul Jouison. Paris, França. (Tese de
doutorado – Faculdade de Ciência Humana e Social). Université Paris V – René
Descartes. 2000.
GIORDANI, Liliane F. "Quero escrever o que está escrito nas ruas": representações
culturais da escrita de jovens e adultos surdos. Tese de Doutorado, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2003.
QUADROS, Ronice Muller de. Educação de Surdos: a aquisição da linguagem. Porto
Alegre: Editora Artes Médicas, 1997.
SKLIAR, Carlos. Org. 1997, Educação & exclusão: abordagem sócio-antropológicas em
educação especial. Porto Alegre: Editora Mediação, 1997.
SUTTON, Valerie. SignWriting: Manual. [online] disponível em www.signwrting.org,
1996. Consultado em outubro de 1996.

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